O século XX foi um período de transformação profunda para o simbolismo do Tarô, marcado pela interação entre tradição e modernidade. Enquanto as raízes do Tarô remontam ao Renascimento e às correntes esotéricas do século XIX, foi no século passado que suas imagens e significados se expandiram, influenciados por movimentos artísticos, psicológicos e culturais. Essa evolução reflete não apenas mudanças na espiritualidade, mas também na forma como a sociedade passou a encarar o inconsciente e o autoconhecimento.
Com o surgimento de escolas como a psicologia analítica de Carl Jung e a popularização de novas correntes místicas, o Tarô deixou de ser visto apenas como um oráculo e ganhou status de ferramenta de reflexão simbólica. Artistas e ocultistas reinterpretaram seus arquétipos, adaptando-os a uma linguagem contemporânea, enquanto a cultura de massa os integrou de maneiras inesperadas. Neste texto, exploraremos como essas mudanças moldaram o Tarô que conhecemos hoje.
A Influência da Psicologia Junguiana
Um dos maiores catalisadores da transformação do Tarô no século XX foi a psicologia analítica de Carl Jung. Jung via os arcanos do Tarô como representações de arquétipos universais — padrões de comportamento e imagens presentes no inconsciente coletivo. Essa interpretação elevou o Tarô de um simples jogo divinatório a um instrumento de exploração psicológica, usado para mapear conflitos internos e processos de individuação.
Jung também destacou a importância da sincronicidade, conceito que explica a aparente coincidência entre eventos externos e estados internos da psique. Essa ideia reforçou a noção de que as cartas do Tarô não “preveem” o futuro, mas revelam conexões simbólicas entre o consciente e o inconsciente. Terapeutas e estudiosos passaram a utilizar o Tarô em práticas de autoconhecimento, integrando-o a abordagens terapêuticas alternativas.
O Tarô e a Arte Moderna
Paralelamente, movimentos artísticos como o surrealismo e o simbolismo abraçaram o Tarô como fonte de inspiração. Artistas como Salvador Dalí e Leonora Carrington incorporaram suas imagens enigmáticas em obras que exploravam sonhos, mitos e o irracional. O baralho Tarô de Marselha, por exemplo, foi reinterpretado sob novas perspectivas estéticas, enquanto decks inovadores, como o Thoth Tarot de Aleister Crowley e Frieda Harris, fundiam elementos da arte deco com simbologia ocultista.
- Surrealismo: O Tarô serviu como ponte entre o real e o onírico, reforçando a busca por uma linguagem visual além da razão.
- Ocultismo renovado: Figuras como Crowley repensaram os símbolos tradicionais, infundindo-os com cosmologias modernas.
- Cultura pop: Na segunda metade do século, o Tarô adentrou filmes, literatura e música, tornando-se parte do imaginário coletivo.
Essa fusão entre arte e esoterismo não apenas democratizou o acesso ao Tarô, mas também expandiu seu vocabulário simbólico, permitindo que novas gerações o vissem tanto como objeto de estudo quanto de criação.
O Tarô na Cultura Popular e Contracultura
Na segunda metade do século XX, o Tarô transcendeu os círculos esotéricos e artísticos para se tornar um fenômeno cultural. A contracultura dos anos 1960 e 1970, com seu interesse por espiritualidade alternativa e psicodelia, abraçou o Tarô como um símbolo de liberdade e busca interior. Músicos, escritores e cineastas incorporaram suas imagens em letras, capas de álbuns e narrativas, reforçando sua aura de mistério e rebeldia.
Filmes como El Topo (1970) e livros como O Castelo dos Destinos Cruzados, de Italo Calvino, usaram o Tarô como estrutura narrativa, explorando seu potencial como linguagem universal. Bandas como Led Zeppelin e Pink Floyd referenciaram seus símbolos, enquanto figuras como Timothy Leary o associaram a experiências expandidas de consciência. Essa apropriação pela cultura pop não apenas popularizou o Tarô, mas também o reinventou como um espelho das inquietações da época.
Novas Correntes e Diversificação de Baralhos
O final do século XX testemunhou uma explosão de baralhos temáticos, que adaptaram o Tarô a diferentes visões de mundo. Decks como o Motherpeace Tarot (1981), com iconografia feminista, e o Xamânico, inspirado em tradições indígenas, desafiaram a hegemonia dos modelos clássicos. Essa diversificação refletiu:
- Inclusão de novas perspectivas: Baralhos passaram a representar culturas não-europeias, identidades LGBTQIA+ e abordagens ecológicas.
- Fusão com outras tradições: Elementos da astrologia, cabala e até ficção científica foram integrados aos arcanos.
- Ênfase na autoexpressão: Artistas independentes criaram decks pessoais, tornando o Tarô uma forma de arte acessível.
Essa pluralidade mostrou que o Tarô não é um sistema fechado, mas um organismo vivo, capaz de absorver e reinterpretar as mudanças sociais. A internet, em ascensão no fim do século, acelerou essa troca, conectando praticantes globais e facilitando o compartilhamento de novas simbologias.
A Ciência e o Tarô: Diálogos Improváveis
Curiosamente, o século XX também viu tentativas de aproximar o Tarô de disciplinas científicas. Pesquisadores exploraram suas conexões com a teoria dos fractais, a física quântica e a matemática, sugerindo que seus padrões simbólicos poderiam refletir estruturas universais. Embora controversas, essas leituras demonstraram o desejo de validar o Tarô além do misticismo, inserindo-o em debates sobre a natureza da realidade.
Iniciativas como o Projeto Tarô e Psicologia, em universidades europeias, buscaram analisar seu uso terapêutico, enquanto neurocientistas investigaram como a leitura de cartas ativa a intuição e a cognição simbólica. Esses esforços, ainda que marginais, indicam que o Tarô continua a desafiar fronteiras, resistindo a categorizações simplistas.
Conclusão: O Tarô como Espelho do Século XX
O século XX transformou o Tarô de um oráculo estático em um sistema dinâmico, capaz de dialogar com a psicologia, a arte, a contracultura e até a ciência. A influência de Jung, a reinvenção pelas vanguardas artísticas e sua absorção pela cultura popular demonstraram que seus símbolos são maleáveis, refletindo as inquietações e aspirações de cada época. Longe de ser um relicário do passado, o Tarô tornou-se uma linguagem viva, adaptando-se a novas visões de mundo sem perder sua essência arquetípica.
Hoje, sua diversidade de baralhos e interpretações comprova que o Tarô não apenas sobreviveu às mudanças do século passado, mas floresceu nelas. Seja como ferramenta terapêutica, expressão artística ou ponte entre o sagrado e o cotidiano, ele permanece um convite à reflexão — prova de que os símbolos, quando revisitados com criatividade, podem continuar a iluminar os caminhos do autoconhecimento e da transformação.